sábado, 4 de outubro de 2008

Lembranças


LEMBRANÇAS



Coleciono palavras antigas
e um gosto estranho pelo bordado da caminhada
dos pés estradas pontes rios

Estruturo gestos largos e deixo fluir
o riso e a lágrima com a mesma intensidade
dos navios que cruzam mares rostos olhares

Fixo os olhos das meninas em minha cara
e guardo sempre abertas lembranças

Não disfarço minhas fantasias
Sigo aberto
sempre com o coração à frente
desta procissão de mim mesmo

Criação


CRIAÇÃO



A palavra constrói a boca o som a fala

Constrói este homem que não se cala
e voa aberta doce salgada seca molhada

Às vezes, como canto lamento silêncio cela
sala santo fera

Constrói o canto o pranto
o pensamento o manto o acalanto o espanto

Silêncio


SILÊNCIO



Ali onde não há palavras
a alma é completa-
mente sólida
como Deus
é existência eterna-
mente homem
na pausa da fala

Inspiração


INSPIRAÇÃO



No apertado das horas
escrevo poemas largos
com palavras e fitas

Poemas emendados
Poemas-chitas

Colo todas as palavras
que sobrevoam
rápidas
sobre o papel
como se fossem listas
sem discriminar nem a que me agita

Iniciação

INICIAÇÃO


Quantos corpos são passados em meu corpo?
Quantos mortos carregam o meu dorso?

Os olhos alcançam as coisas
Mas não a compreensão

Quando um homem desperta na Terra
uma luz se acende no firmamento
e estrelas se acendem nos olhos do iluminado

Absoluto


ABSOLUTO

no reino mineral
tudo se organiza
firme ou flexível

Mesmo úmido
não se torna indefinido
tudo segue preciso
sólido ou derretido

E no reino mineral
nada fica quieto
nem Deus está adormecido
é absoluto tecido

HIDERALDO MONTENEGRO 

Alumbramento

ALUMBRAMENTO


Lá na linha do horizonte
Assistimos o trem cruzar o luar
Como um sorriso de Deus

Perto


PERTO


Tão longe eu moro
Que não existem portas abertas
Tão longe eu moro que nem portas existem

De tão longe a paisagem só existe
E divide o espaço
Da minha distância

De tão longe
Vivo tão perto
De mim mesmo
sem Fronteiras

De tão longe
Não sou alcançado
Pelo dano que causaria
A mim mesmo

De tão longe
Vivo de janelas abertas
Sem temor
Nem mesmo do diabo

De tão longe
Vivo encontrado
Em diversos horizontes
Abertos


De tão longe
Vivo
Debruçado sobre a paz

Indecifrável


INDECIFRÁVEL


O poema que não escrevi
é feito de carne
tem nome largo
e palavras de forma

O poema que não escrevi
dorme comigo todos os dias
revira meus sonhos
torna-se insônia

O poema que não escrevi
come, bebe, faz sexo
e, às vezes, sai pelo nariz

O poema que não escrevi
vive na lama, no lixo
no luxo, na cama

O que poema que não escrevi
é macho, puta, bicha louca
-desenho que não sai da boca

O poema que não escrevi
é leve, é pluma
pesado tiro
é chumbo, é morte
é casulo, é seda
é sorte que não chega

O poema que não escrevi
Inscreve-se em mim
como cicatriz
como uma dor, um parto
um sapato apertado

O poema que não escrevi
Jamais escreverei

quarta-feira, 1 de outubro de 2008


VIAGEM



Esse sangue
esse poço
essa vontade
de me erguer
verticalmente
até o topo
de minha cabeça
definem o meu tamanho
dentro de mim

O Pombo




O POMBO


Um homem sentado numa praça
de Curitiba, São Paulo, Recife, Londres...

Aquele homem é o mesmo
em todas as praças do mundo?

Um homem pousa num banco
e seus pensamentos voam igualmente
como o pensamento de todos os homens
sentados numa praça qualquer

Eis um homem pousado voando
pelo mundo

Esse homem é um pombo
Esse homem é a paz

Será por isso que existem praças
para os homens pousarem
e soltarem as suas asas?

Hideraldo Montenegro
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